sábado, 15 de setembro de 2012
Depende...
Texto de Rute Rodrigues Sobrinho
Gosto do sim quando aceito um novo amor.
Gosto do não para não me sujeitar a qualquer coisa.
Gosto do claro quando vejo o caminho certo.
Gosto do escuro quando rola um amasso.
Gosto do folgado quando minha timidez impede.
Gosto do apertado quando o abraço me tira o fôlego.
Gosto do largo quando deixo pra trás o que não serve.
Gosto do estreito quando quero ficar sozinha.
Gosto do novo quando posso descobrir o mundo.
Gosto do velho quando quero resgatar o passado.
Gosto da pressa para ver logo meu amor.
Gosto da calma para beijar a noite toda.
Gosto do amor porque ele move tudo.
Gosto do ódio porque também é amor, só que doente.
Gosto do amigo para uma conversa sincera.
Gosto do inimigo para ficar sempre atento.
Gosto da pintura realista para saber como é.
Gosto do foto shop para saber como poderia ser.
Gosto do nada quando tudo dá errado.
Gosto do tudo quando nada atrapalha.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
A desobriga
Texto de Rute Rodrigues Sobrinho
O dia mal raiou e Felipe, seus irmãos e seus primos já estavam de pé comendo mandioca cozida com café e leite quente. Tinham pressa para cair no mato. Precisavam encontrar madeiras de boa qualidade para prepararem o maior número possível de jiraus.
É que naquela semana aconteceriam as festividades da "desobriga". Devido à grande quantidade de municípios e cidades no interior nordestino, a igreja católica não conseguia ter um padre permanente em todas as paróquias. Então, de seis em seis meses, vinha uma enorme caravana com padres, trabalhadores da igreja e comerciantes para as festividades daquele vilarejo. O sacerdote percorria as terras sob sua responsabilidade, desobrigando os fiéis de seus compromissos canônicos, realizando batizados, casamentos e celebrando missas.
Os meninos não podiam perder tempo, saíram apressadamente com suas foices e machados à procura de madeira apropriada para o seu intento. Nessa época era uma das poucas oportunidades que eles ganhavam seu próprio dinheiro. Confeccionavam vários jiraus para vender aos comerciantes que queriam expor suas mercadorias durante as festas.
No final do dia, eles voltaram para casa com a burra carregada, passariam o dia seguinte confeccionando os mezaninos. Felipe trabalhou muito feliz, pensando na festa, no dinheiro que ia ganhar e no sapato novo que o pai Carlos havia prometido comprar.
No vilarejo várias famílias acolhiam os visitantes. Carlos costumava hospedar alguns comerciantes. A casa da frente, que era de Dona Lucinda, abrigava o padre e os beatos.
Ao cair da tarde os meninos haviam preparado dezesseis estrados para venda. Estavam exaustos. Mas Felipe esqueceu tudo isso quando ouviu o burburinho na cidade com a chegada dos missionários. Todo mundo saiu às portas de suas casas e a poeira subiu. Era muita gente pisando naquele chão de terra solta...
Já era tarde quando os cumprimentos terminaram. Agora todos queriam um lugar para repousar. Na casa de Felipe hospedaram-se dois comerciantes, um que vendia redes e o outro que vendia sapatos.
Felipe mal podia esperar a hora de abrir as sacolas, mas tinha que aguardar José tomar um banho de balde, comer um feijão com arroz e ter disposição para conversar. Antes que ele pudesse se acomodar para dormir, o pai da criança pediu para ver os sapatos. Felipe devia ter entre oito e nove anos de idade e não se agüentava de tanta ansiedade.
Dentre os vários pares que o mascate mostrou, Felipe se encantou por um sapato branco com pespontos marrons. O calçado ficou um pouco apertado em seu pé, mas ele adorou aquele modelo e disse para o pai que estava lindo e confortável. O pai desconfiou que não tivesse ficado tão bom, mas Felipe queria tanto e estava tão contente que ele comprou o par.
No outro dia muito cedo o vilarejo já estava movimentado. O sino havia tocado e Felipe correu para não perder a hora da missa que já estava começando. No caminho para a humilde capela começou sentir o pezinho doer e a apertar, chegou a pensar que seu pé tinha crescido durante a noite...
Com todo esforço conseguiu chegar. Ficou triste ao lembrar que a festa que ele tanto esperou ainda duraria o dia inteiro. Tinha uns trocados para comprar bobagens, mas não tinha pés para chegar até as barracas. O menino ficou amuado quase todo o dia e o pai pensou que ele estivesse doente. Até o geladinho que ele tanto gostava de tomar deixou para lá, afinal Seu Doda ficou muito distante desta vez. Naquela época não tinha energia elétrica no vilarejo e o geladinho era uma sensação. Tratava-se de um refresco feito com suco em pó, destes coloridos artificialmente, e colocados em jarros de barro no meio da sombra. Depois se enrolava panos molhados em volta e deixava o vento soprar e gelar a bebida. Mas nem isso Felipe tomou neste dia.
À noite, depois do pai tanto perguntar o que aconteceu, o filho, com vergonha por causa do sapato, só mostrou os pezinhos cheios de calos já com sangue e os olhos marejados de água. Pensou que levaria uma bronca, a mãe até fez menção de fazê-lo, mas o pai amoroso o tomou nos braços, fez um escalda pés e botou Felipe pra dormir.
No outro dia, Carlos pediu para a mulher dar os sapatos para uma criança menor e que pudesse utilizá-los com tranqüilidade. Felipe nunca esqueceu um gesto tão simples e tão bonito. Reconhecia que por teimosia sua não tinha feito uma boa escolha. Por sua vez, o pai sabia que o sapato estava apertado, mas se dissesse isso a Felipe ele nunca entenderia. Achou melhor ele aprender desde cedo que uma escolha impensada ou mal feita pode trazer sofrimento, mas que isso não torna ninguém pior ou menos amado.
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