quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Solidão

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho


Solidão é um poderoso vírus que está latente em todo ser humano. Alguns se dizem imunes a ele ou possuem estrutura emocional suficiente para sobreviver com pequenas sequelas. Quem não tem a mesma sorte, geralmente os mais sensíveis, ou se entregam à clausura interna, ou lutam a vida inteira.

O cantor Alceu Valença diz numa música que "solidão é fera, solidão devora". Sei não, acho que solidão não é fera que devora a presa, é um verme que mastiga a vítima sem nunca matá-la. Ela é desconfortável, é como estar molhada num dia de rigoroso inverno. Solidão é uma eterna segunda-feira, é como comemorar a vitória numa final de copa do mundo num estádio vazio. 

Solidão não se confunde com depressão. Todo deprimido sente solidão, mas nem sempre quem sente solidão é deprimido. Solidão é aquele vazio na alma que exige cuidado constante. É olhando para ele que nos questionamos e não aceitamos respostas prontas. Há pessoas, no entanto, que fazem disso um buraco negro, sem fim e sem respostas. 

Este sentimento também não é desilusão, como na música de Marisa Monte: "Desilusão, desilusão. Danço eu dança você. Na dança da solidão". Solidão é independente de uma decepção amorosa, é algo genuíno que nasce na alma para procurar uma resposta para a vida. 

Solidão não é uma pedra no sapato, é um escorpião dentro das calças. É um vazio que não se preenche, é uma sede que nunca se mata. É como tentar atravessar o mar com uma âncora nos pés, é andar com o freio de mão puxado.

Li numa placa outro dia que "Só há verdadeira solidão onde falta Deus". Mas e se Deus houver criado a solidão exatamente para que os seres humanos buscassem o divino?

Creio que esta sensação de vazio foi um dos mecanismos usados pela providência divina para alertar que existe mais do que imaginamos. Ouso dizer que uma das causas da depressão é seguir adiante achando que se pode simplesmente voar por cima dessas indagações da alma e que vai ficar tudo bem. A ponte para passar por cima delas é feita de compreensão para consigo mesmo, auto-estima e autoconhecimento.

Às vezes observo alguns encherem o peito e dizerem que solidão não existe porque vivem rodeados de amigos e familiares. Isso é porque não fecharam a porta do seu eu e ficaram no escuro consigo mesmos. Quem não tempo ou não quer refletir preencherá sua vida com as mais diversas coisas e ocupações. 

Pois bem, sou feliz e às vezes sinto solidão, e não acho que estes dois sentimentos sejam contraditórios ou incompatíveis. Quando meu subconsciente procura respostas de perguntas que ainda não chegaram ao consciente é um desconforto só, um aperto no peito, e alma quer ficar sozinha para refletir. Ficar um tempo em silêncio no quarto escuro do meu eu ajuda a clarear as idéias e volto a abrir a porta para um dia ensolarado. É assim que vou desatando os nós e seguindo nesta estrada que é construída dia a dia. 

domingo, 12 de agosto de 2012

Caridade

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho


     Nunca havia entendido porque os mais velhos gostavam de contar as mesmas histórias. Muitas vezes ouvi-as contrariada e pensava porque estavam relatando-as de novo se eu já havia escutado tantas vezes.  Observei a paciência do meu pai com meu avô. Ele ouvia e ouve suas histórias sempre. Em todas elas ele se surpreende e ri como na primeira vez. 

     Meu avô fica quietinho quando chega a nossa casa, mas ao avistar meu pai seus olhinhos brilham. É que alguém vai ouvi-lo por instantes, vai dar-lhe atenção. E é meu pai quem puxa o assunto: - Seu Manoel conta aquela história da sua infância, quando o senhor teve que correr por um beco escuro! 

     Vovô muda a fisionomia, parece que fica mais jovem e conta suas peripécias, coisas que já sabemos, mas parece que aquilo é uma fonte de rejuvenescimento. Falar da sua vida, mostrar que um dia também foi tão ágil quanto nós o faz sentir integrado. É a ponte entre sua geração e a nossa. Afinal de contas muitos dos idosos vivem das lembranças do passado, até por não terem a mesma força física dos jovens. 

     A partir desse papo inicial, vovô fica mais solto, sorridente, participante ativo da festa, mesmo com seu jeito mais tranqüilo. Pára de reclamar das dores, pára de dizer que a velhice é uma droga, sente-se jovem por instantes.

     Hoje entendo pessoas que vão visitar asilos e ficam por lá a tarde toda: uns conversam com os idosos, as moças maqueiam ou penteiam as senhoras. Certamente é uma doação de tempo e amor que não custa nada, mas traz energia e vigor para continuar a vida.

     Pode parecer que não, mas doar atenção é mais barato e mais precioso do que doar bens ou dinheiro. Claro que uma coisa não exclui a outra. 

    A caridade moral pode ser praticada por todos nós a qualquer momento. Ouvir simplesmente, sem tentar corrigir, sem dar lição de moral, é de grande valia. Deixem que seus pais e avós falem errado, não devemos mais corrigi-los nessa idade, eles só querem se comunicar e não ter aula de português. Deixem que misturem duas ou três histórias que já conhecemos, deixem que digam como o mundo antigamente era melhor. Façamos a caridade de permitir a eles continuar inseridos na família e se sentindo úteis. Se Deus quiser, também seremos velhinhos e ficaremos felizes aos encontrarmos jovens que nos façam esquecer as limitações da idade.

     E quando conseguirmos aplicar esses conceitos no nosso lar podemos levar ao trabalho, à faculdade, onde quisermos. Pensem, por exemplo, que há um grande mérito em ouvir um amigo que sofre, em fazer-se de surdo diante das ironias, em fazer-se de cego para não enxergar coisas desagradáveis, em conformar-se com os defeitos dos colegas sem ter que apontá-los diariamente. 

     Um bem que fazemos ao outro é um bem feito a todos nós.

Emeli Sandé - Next to me

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Duas de mim

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho





       Uma de mim é doce, tranqüila, quer a paz, é altamente tolerante, quer casar na igreja e ter filhos. A outra é ousada, gosta da guerra que trava consigo mesma, está bem sozinha e tem medo de uma companhia sufocante e repressora.
      O problema é que as duas convivem diariamente, uma não dá folga à outra para satisfazer suas vontades. Daí o conflito é enorme. Falo uma coisa num dia e posso falar o inverso daqui a instantes. O meu eu não é singular, é plural, é complexo. Tenho amigos de verdade e uma família maravilhosa, mas eles certamente não questionam minhas loucuras, simplesmente me aceitam ou dizem: - Hoje ela tá daquele jeito! E ignoram o resto.
       Na verdade fazem isto porque conhecem o meu melhor que é comum a ambas de mim. Sou fiel aos meus amigos, carinhosa, tento ser política para não magoar as pessoas, importo-me com o que elas sentem, não gosto de injustiça, sou extremamente amorosa, gosto de abraçar, de beijar. Não falo só com a boca, falo com o corpo todo.
      Não sei por que Deus me fez assim tão intensa. Fico muito alegre, muito ansiosa, muito esperançosa, muito triste, muito decepcionada, muito apaixonada. Sempre tem o muito em tudo que sinto ou percebo. Todas as emoções chegam a mim com lentes de aumento.
     Às vezes queria ser um pouco mais linear, mas só de pensar nisso já fico entediada. Minha vida é realmente cheia de emoções. Como diz um trecho da música do Roberto Carlos: “se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.  
        Deus me livre de uma vida nota cinco...