Certa vez o espelho, muito orgulhoso, disse ao pintor que era melhor do que ele, porque não tinha o trabalho de desenhar nada e podia retratar tudo o mais fielmente possível. E complementou:
-Está vendo aquela mulher? É gorda, tem rugas, o vestido está gasto e os cabelos despenteados. Não a descrevi perfeitamente?
- Descreveu, disse o pintor. Mas eu também posso fazer isso: eu vejo uma mulher de formas lindamente arredondas, com rugas que demonstram sua maturidade na vida e o quanto ela já sofreu para chegar até aqui. O vestido muito bem cortado, com um tom de vermelho já gasto de tantas lavagens, mostra que ela tem bom gosto, mas que atualmente não possui recursos financeiros para comprar um novo. Os gestos são nobres e o sorriso encantador. É isso que enxergo – falou o pintor.
- E aquele outro rapaz, vestido com um terno perfeito, de traços finos, uma bela pasta. Deve ser um rico burguês - disse o espelho.
O pintor retrucou novamente: - O terno é impecável, mas reparei que tem uma aliança no dedo esquerdo e seus olhos estão um pouco vermelhos como se ele tivesse chorado muito durante a noite. Traz consigo uma pasta com contas a pagar, talvez tenha sido demitido recentemente e preocupa-se com a mulher e, quem sabe, com filhos.
Percebo muitas pessoas orgulhosas por se dizerem sinceras demais, por falarem tudo o que pensam na cara. Mas quando alguém floreia a verdade não está mentindo, e sim colhendo da vida a melhor impressão possível. A forma cruel de vermos as coisas e pessoas e, mais ainda, de dizermos isso a elas, pode nos tornar verdadeiros carrascos. Por detrás desta “sinceridade” mora uma crueldade travestida de franqueza, como se fosse um álibi perfeito para o nosso subconsciente. A mente de quem emite a opinião está tranqüila... E o respeito à outra pessoa?
Quando o espelho disse a verdade, à sua maneira, não estava mentindo, mas também não estava vendo com olhos de amorosidade. Chegou mesmo a ser impiedoso. Já o pintor, na sua visão mais poética, também não deixou de dizer a verdade na sua descrição, mas a diferença é enorme, porque considerou os sentimentos do outro, a sua história de vida e não apenas sua aparência.
Sempre temos uma escolha: espelho ou pintor?
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