sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Mundo que quase deixou de sentir

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

No mundo Apatia viviam milhares de pessoas que num passado distante haviam sofrido várias perdas. Uns se magoaram por amor, outros pela separação trazida pelo sepulcro, outros pelos mais variados tipos de decepção humana.
Por conta disso, resolveram se proteger desses sentimentos que traziam mais mal do que bem, segundo a ótica deles. Vestiam-se diuturnamente com cápsulas protetoras que impediam a entrada de qualquer sentimento. Decidiam tudo na base da razão e do raciocínio.
Passaram a não mais sofrer, a não mais sentir, a não mais amar, a não mais viver. Acordavam, comiam, sorriam. Tudo no piloto automático dos instintos.
Chegou determinada época em ninguém mais sabia como era sentir coisa alguma, pois a nova geração foi totalmente criada dentro das cápsulas. No entanto, sempre há revolucionários pelos mundos afora. Lá não era diferente, e começou-se um burburinho para questionar os que não aceitavam a imposição da massa.
Alguns universitários rebeldes começaram a se reunir e filosofar acercar dos benefícios e males das cápsulas. Queriam saber a origem daquilo tudo, quando havia começado, quem determinara isso e por que tinham que sofrer as conseqüências das opções dos outros.
Todas as noites eles se encontravam num subsolo escondido e saíam das cápsulas para experimentarem novas sensações. E que sensações... A cada noite eles eram humanizados com toda sorte de sentimentos que eclodia numa velocidade assustadora, como se quisessem recuperar o tempo perdido.
A partir desses encontros surgiram interesses, amores, discussões, raiva, ciúme. O medo tomou conta deles, afinal como equilibrar todas aquelas forças que surgiam de uma hora para outra?
Logo começaram a notar diferenças neles próprios, o rosto ficava mais rosado com algumas palavras, sorriam mais abertamente e reagiam mais naturalmente às situações.
Depois da quebra de paradigmas da turma dos revolucionários sem cápsulas, cada qual passou a gerir sua vida escolhendo se isolar na cápsula ou não.
Os que optaram por permanecer no isolamento passional, diziam que o medo de sentir algo desagradável era maior do que a esperança de sentir algo bom. Preferiam permanecer como estavam.
Os destemidos revolucionários bradavam aos quatro cantos que preferiam o sofrimento a dor de nada sentir; preferiam a decepção a nunca experimentar o amor; preferiam o ciúme à indiferença; preferiam a raiva à apatia. Dentro das cápsulas eles teriam uma vida óbvia e certa, fora delas podiam escolher o destino, aprender a controlar os sentimentos, e, verdadeiramente, viver.

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