domingo, 19 de maio de 2013

A mochila de Alice

         Alice tinha por volta de doze anos quando começou sentir certos sintomas: cansaço, dor de cabeça, tristezas infundadas e alegrias inexplicáveis. Só que tudo isso ao mesmo tempo.


Curiosa toda vida, sempre perguntava o porquê de tudo. As pessoas respondiam quando tinham paciência. Outras vezes diziam que era assim e pronto.

Quando a vida religiosa entrou em sua vida de uma forma mais contundente os seus problemas começaram de verdade, porque as respostas para os seus questionamentos não eram satisfatórias. Quando muito, diziam que as coisas aconteciam daquela forma porque Deus queria assim. Ela não se convencia das explicações e ficava mal perante os outros e triste com ela, parecia que não tinha fé, o que não era verdade.

Na idade adulta ficou muito doente e ninguém conseguia tratá-la. Foi então que disseram que havia um médico das coisas invisíveis, uma especialidade rara que estava desaparecendo no mundo, porque as pessoas só criam no poder dos remédios. Esse velhinho ainda atendia, raramente, os casos excepcionais enviados a ele.

Ao entrar no consultório, o médico assustou-se ao vê-la entrar na sala com uma mochila cem vezes maior do que ela e pensou: 

- Como essa menina franzina consegue carregar um peso desses? 

Imediatamente fez sinal para que uma enfermeira viesse ao encontro de Alice para levar a mochila por uns instantes. Ela sentiu um alívio, estava bem melhor. Sem a pesada bagagem a consulta poderia transcorrer normalmente. 

Foi aí que ela obteve o maior conhecimento que poderia alcançar. A explicação do médico mudou sua vida para sempre. Ele disse que todas as pessoas nascem com a mochila das dúvidas e insatisfações. Alguns não notam a diferença, porque não questionam nada no mundo, nada faz diferença para eles. Outros preferem saber apenas o necessário, ficando na superficialidade. Mas Alice era uma das pessoas que queriam entender tudo, e como não obtinha respostas satisfatórias, jogava as dúvidas na mochila e ela ia pesando cada vez mais. 

Por conta disso, vários problemas poderiam aparecer como dor de cabeça crônica, dor na coluna, dor nas articulações, insuficiência respiratória e tristeza sem fim. 

Então a menina perguntou ao médico: 

- Como posso resolver meu problema? 

Ele olhou para ela profundamente e disse: 

- Depende do que você quer para sua vida. Se preferir ir contra sua natureza e personalidade, tente esquecer os questionamentos e viver uma vida com o mínimo de saber e aos poucos a mochila irá se esvaziar das dúvidas. O conhecimento, explicou ele, não pesa nunca, não faz volume, quanto mais, melhor. As dúvidas, ao contrário, são difíceis de levar e trazem doenças para o corpo e a alma. 

Alice olhou para o médico e pediu ajuda seriamente. Queria continuar com sua mochila de dúvidas, mas também queria um jeito de fazer isso ser menos sofrido. Afinal, certo peso na mochila dava a ela equilíbrio necessário para passar por caminhos estreitos, pontes perigosas e outros lugares que ela sonhava percorrer um dia. 

O médico receitou, por fim: 

- Uma dúvida por vez, uma dose equilibrada de questionamentos por dia. Saiba que isso nunca terá fim, porque o que se busca não é apenas o conhecimento, mas o exercício mental em si mesmo. Mas não se esqueça de adicionar coisas leves ao seu dia, coisas banais, descompromissadas, engraçadas, alegres. A mistura de tudo isso é que será o seu bem viver!

De posse dessas preciosas informações, Alice saiu com sua imensa mochila, que agora parecia um pouco mais leve, a trilhar pelos caminhos da vida. 

:) Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

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