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Ilustração de Luciana Meneses Delmonte |
Lídia tinha uma vida razoavelmente confortável, era casada, tinha dois filhos, morava numa chácara aprazível com árvores frutíferas e um lindo riacho.
Mas não era o bastante pra ela, pois reclamava de tudo. Quando não chovia as plantas precisavam de água. Quando chovia o riacho enchia muito e poderia alagar a casa. Se os meninos estavam correndo e brincando, reclamava da roupa suja e dos arranhões adquiridos. Se eles estavam doentes reclamava das noites mal dormidas.
Artur, seu marido, era muito paciente com ela. Repreendia-a com amor, dizendo que sempre deveria agradecer a Deus por tudo, pelas coisas boas e pelas coisas más. Na verdade ele achava que não existiam coisas más propriamente ditas, porque estas serviam para florescer novos sentimentos, para abrir horizontes e para o crescimento pessoal. O mal, segundo ele, trazia benefícios porque fazia com que as pessoas tivessem um contato com Deus, fossem menos arrogantes e desenvolvessem certas virtudes que só desabrocham em meio às adversidades.
Certo dia Lídia andou pelo terreno olhando as árvores, a horta, os animais e, inesperadamente, caiu num buraco muito fundo. Quando abriu os olhos, percebeu que não estava no fundo do buraco, ainda. Ela havia ficado presa a uns ramos.
Gritou desesperada. Ficou com raiva. Chorou. Chorou. Chorou. Parou. Anoiteceu e Lídia continuava ali, percebendo os barulhos do mato, dos bichos, do silêncio da noite.
Passaram-se nove dias e Lídia continua no buraco. Bebeu a água da chuva que, segundo ela, caía com muita freqüência e comeu das frutas que despencavam das árvores, que muitas vezes ela murmurou que sujavam o quintal.
Parou. Pensou. Agradeceu. Sentiu saudades. Sentiu amor.
Durante esse período a arrogância de Lídia foi diminuindo aos poucos e cada vez mais ela pensava em como tinha que melhorar sua vida, melhorar seus pensamentos e agradecer mais a Deus. Toda vez que ela terminava uma prece ela se desgrudava de alguns galhos e descia mais no buraco. Pensava: meu Deus parece que quanto mais eu rezo mais as coisas pioram? Pensou em desistir, mas algo falou mais forte dentre dela e continuou nas preces.
No décimo primeiro dia, depois de se alimentar e orar mais uma vez, ela sentiu uma queda enorme, desta vez até o fundo do buraco.
Qual não foi a surpresa de Lídia ao cair no fundo do poço: havia uma catapulta no fim do buraco. Só dependia que ela cortasse a corda e retornasse à superfície. Foi o que fez.
Reencontrou sua vida, seus filhos, seu marido e Deus!
Às vezes precisando chegar ao limite de nossas forças para sermos impulsionados à superfície. Quando retornamos, entretanto, não somos mais os mesmos, porque só o sofrimento desperta certas virtudes e pensamentos. Não devemos pensar como Lídia, que vendo apenas o micro, reclamava quando orava e as coisas pioravam. A resposta só vem no momento oportuno e quando estamos aptos a entender a resposta.
Artur todas as noites em suas preces agradecia a Deus:
-Bendito buraco no caminho!
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