segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O buraco do caminho

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

Ilustração de Luciana Meneses Delmonte
Lídia tinha uma vida razoavelmente confortável, era casada, tinha dois filhos, morava numa chácara aprazível com árvores frutíferas e um lindo riacho.
Mas não era o bastante pra ela, pois reclamava de tudo. Quando não chovia as plantas precisavam de água. Quando chovia o riacho enchia muito e poderia alagar a casa. Se os meninos estavam correndo e brincando, reclamava da roupa suja e dos arranhões adquiridos. Se eles estavam doentes reclamava das noites mal dormidas.
 Artur, seu marido, era muito paciente com ela.  Repreendia-a com amor, dizendo que sempre deveria agradecer a Deus por tudo, pelas coisas boas e pelas coisas más. Na verdade ele achava que não existiam coisas más propriamente ditas, porque estas serviam para florescer novos sentimentos, para abrir horizontes e para o crescimento pessoal. O mal, segundo ele, trazia benefícios porque fazia com que as pessoas tivessem um contato com Deus, fossem menos arrogantes e desenvolvessem certas virtudes que só desabrocham em meio às adversidades.
Certo dia Lídia andou pelo terreno olhando as árvores, a horta, os animais e, inesperadamente, caiu num buraco muito fundo. Quando abriu os olhos, percebeu que não estava no fundo do buraco, ainda. Ela havia ficado presa a uns ramos.
Gritou desesperada. Ficou com raiva. Chorou. Chorou. Chorou. Parou. Anoiteceu e Lídia continuava ali, percebendo os barulhos do mato, dos bichos, do silêncio da noite.
Passaram-se nove dias e Lídia continua no buraco. Bebeu a água da chuva que, segundo ela, caía com muita freqüência e comeu das frutas que despencavam das árvores, que muitas vezes ela murmurou que sujavam o quintal.
Parou. Pensou. Agradeceu. Sentiu saudades. Sentiu amor.
Durante esse período a arrogância de Lídia foi diminuindo aos poucos e cada vez mais ela pensava em como tinha que melhorar sua vida, melhorar seus pensamentos e agradecer mais a Deus. Toda vez que ela terminava uma prece ela se desgrudava de alguns galhos e descia mais no buraco. Pensava: meu Deus parece que quanto mais eu rezo mais as coisas pioram? Pensou em desistir, mas algo falou mais forte dentre dela e continuou nas preces.
No décimo primeiro dia, depois de se alimentar e orar mais uma vez, ela sentiu uma queda enorme, desta vez até o fundo do buraco.
Qual não foi a surpresa de Lídia ao cair no fundo do poço: havia uma catapulta no fim do buraco. Só dependia que ela cortasse a corda e retornasse à superfície. Foi o que fez.
Reencontrou sua vida, seus filhos, seu marido e Deus!
Às vezes precisando chegar ao limite de nossas forças para sermos impulsionados à superfície. Quando retornamos, entretanto, não somos mais os mesmos, porque só o sofrimento desperta certas virtudes e pensamentos. Não devemos pensar como Lídia, que vendo apenas o micro, reclamava quando orava e as coisas pioravam. A resposta só vem no momento oportuno e quando estamos aptos a entender a resposta.
Artur todas as noites em suas preces agradecia a Deus:
-Bendito buraco no caminho!

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