quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Sugoleta e o Cavotário

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

Ilustração Luciana Meneses Delmonte
No bosque da ilusão os animais tentavam sobreviver a todo custo. A Sugoleta era um ser que necessitava psicologicamente de outro para se apoiar. Ela tinha asas e se alimentava dos fluidos vitais de seus hospedeiros. O ser preferido para isso era o Cavotário, espécie rara espalhada pelo mundo, que possuía grande carisma, muita carência e certa tolerância.  
Determinado dia Sugoleta viu um Cavotário passeando, todo falante, com sua típica corcova nas costas. Ela então se aproximou, conversou animadamente, sorriu e o cativou.
Feita a amizade entre os dois, ela pediu certo dia:
- Cavotário, você pode me carregar um pouco nas suas costas?
- Por que, Sugoleta? Você tem asas e pode voar – disse ele.
- Ah, deixa de bobeira, vamos brincar apenas – insistiu sedutoramente.
Com a permissividade de Cavotário Sugoleta subiu em suas costas, encaixou-se e não se desgrudou mais.
Embora a companhia dela não fosse desagradável, era muito cansativo para Cavotário levá-la em suas costas, ainda mais sabendo que ela podia se locomover. Quando notava o amigo chateado, Sugoleta levantava vôos e os dois contemplavam a beleza do bosque. Mas era por pouco tempo.
Cavotário vivia reclamando do incômodo, do peso e de ter que comer mais para alimentar os dois. Sugoleta, por sua vez, sentia-se cada vez melhor, mais forte, mais confiante. Fazia menos esforço, tinha um amigo e ainda se escondia atrás dele nas batalhas de sobrevivência da floresta.
Cavotário cansou de só reclamar e resolveu dar um basta nisso. Enquanto Sugoleta dormia profundamente em suas costas ele consultou a feiticeira Atitudys:
- O que eu faço para me livrar dessa amiga que na verdade é um estorvo pra mim? Perguntou.
- Você realmente quer isto? Confirmou Atitudys.
- É o que mais quero, preciso ser livre novamente – confirmou ele.
- Vocês estão grudados pela grande sintonia que existiu entre vocês no começo, depois continuaram pelo comodismo, e agora continuam por uma ilusória dependência. Se você quiser livrar-se dela só há um jeito...
-Diga-me. Farei qualquer coisa - respondeu Cavotário.
- Você tem que desejar profundamente não mais tê-la por companhia e os milhares de elos invisíveis que os prendem se romperão aos poucos - anunciou ela.
Assim ele fez por dias a fio. Desejou do fundo da alma libertar-se de Sugoleta. Continuou andando, andando e se sentiu mais leve. Estranhou. Olhou para trás e percebeu que estava sozinho. Como ficou feliz, saltitou alegre, correu pela floresta:
- Que beleza, que maravilha, como é boa a vida solitária e independente! – bradava aos quatro cantos.
Os dias se passaram, ele foi ficando sozinho e a tristeza chegou ao seu coração. Não tinha ninguém para conversar ou para brigar. Estava tão leve, talvez vazio. Começou a achar besteira reclamar da sua amiga, afinal de contas Sugoleta nem era tão pesada assim, conversavam sobre os bichos, sobre o clima, sobre as estações, sobre as intrigas do bosque. Se ele soubesse que seria assim...
Pronto. Sugoleta estava novamente em suas costas.
-Você voltou? Perguntou Cavotário.
- Claro que sim, você vivia chamando por mim. Estou feliz que estamos juntos novamente!
E os dois voltaram a ficar grudados mais do nunca.
A feiticeira Atitudys esqueceu-se de dizer um detalhe para Cavotário: da mesma forma que o pensamento dele afastava Sugoleta, ele também a trazia de volta...

Um comentário:

  1. O que gosto nas fábulas é que elas nos permitem viajar mais além.Parabéns, Rute, muito legal.

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