sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Escolhendo os frutos

Texto de Rute Sobrinho



Vivian olhou tudo ao redor. Conferiu os frutos, olhou todos os pés cuidadosamente. Receou fazer a opção errada novamente...

Da primeira vez que ela escolheu um fruto para saborear e para que ele fosse seu, escolheu rapidamente, a fruta deu-lhe água na boca. Mas não sabia até então que o fruto, depois de saboreado, passava a fazer parte dela. Pensou ingenuamente que nada lhe aconteceria. “Deus” não poderia ser injusto assim. Ele sabia que eu tinha andado muitos dias até aqui apenas com uma garrafa de água, pensou ela.

Ficou um bom tempo mal do estômago pelo que comeu. Traumatizada, demorou voltar a desejar outra fruta. Quando o fez, foi ao pomar, certa de que já aprendera a fazer escolhas corretas. Dentre tantas frutas com tantas características boas, escolheu a mais bonita, com um tom alaranjado encantador. Mas essa estava podre por dentro. A bela casca escondia muito bem seus odores e gosto azedo. De novo, pensou ela. Vou conviver com esse azedume em minha vida por um longo período. O gosto amargo não me sairá da boca tão cedo...

Desta última vez, no entanto, queria entender o processo de escolha. Qual o motivo de errar tanto. Saiu em busca de um entendimento maior. Como ouvira falar do oráculo, quis vê-lo. Mas onde procurar?  Quem era afinal? Começou indo às montanhas mais geladas, o barulho do vento uivava em seus ouvidos e nenhuma resposta houve. Decidiu ir a uma floresta tropical, com fauna e flora variadas. Nada. Seria no deserto? Sofreu no clima seco, areia no rosto, Sol escaldante e nada também.

Chegou a sua casa um tanto quanto decepcionada. Seria tão impossível querer uma orientação? Comeu alguma coisa, tomou um banho e dormiu profundamente. No outro dia acordou com um belo sorriso no rosto. Tinha a resposta que queria.

Enquanto seguia para o pomar do comprometimento, pensou em como as coisas eram mais simples do que pensava. O oráculo estava todo tempo com ela, mas na ânsia de encontra-lo fora de si, deixou de perceber a mensagem de suas próprias reflexões, mesmo que inconscientes.

Ao chegar à plantação resolveu não acreditar no seu sentido mais falho: a visão. Olhou rapidamente apenas para se localizar e fechou os olhos. Apalpou e cheirou todas as frutas. Pensou em como seria quando elas fizessem parte do seu mundo. Passou a dar importância às sensações sentidas: repugnância, paz, confiança, indiferença, aflição, desconfiança. Escolheu uma linda fruta, como a maioria das outras. Mas com uma diferença, conseguiria conviver com os fluidos vitais daquela fruta até o fim dos seus dias, e ainda ficar saciada e feliz.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

A voz insistente

By Rute Sobrinho


 

 
 
 
Gloria e Ana eram duas adolescentes amigas que estavam sempre juntas. Certa vez resolveram ir a uma cidadezinha no interior de Minas Gerais. Passaram por lá uma semana. Ao escutarem que um caminhoneiro estaria voltando para a cidade em que elas moravam, resolveram pedir carona na boléia do veículo para economizar o pouco dinheiro que seus pais haviam dado. Ficou combinado que o caminhoneiro, conhecido da família onde elas se hospedaram, iria pegá-las no dia seguinte cedo.
No momento combinado, apareceu o motorista e mais um colega dele, que também resolveu pegar a carona. No entanto, a situação ficou constrangera e estranha, porque ele não tinha comentado com ninguém a respeito daquela outra pessoa e, no mais, uma viagem de oito horas com quatro pessoas na frente do caminhão seria bem cansativa e apertada.
Gloria sentiu um aperto no peito e algo dizia para ela não ir. Mas a situação estava difícil, todos estavam na porta para se despedirem e como explicar uma mudança tão repentina de planos assim? Afinal, o moço foi tão gentil e prestativo... No mais, seria uma ofensa para as mulheres dos rapazes que, por sinal, não gostaram nada da novidade. Todos eram conhecidos, a situação era bem delicada.
Gloria teve aquela sensação de novo, elas entreolhando-se com desespero e cumplicidade, e subiram no caminhão.
Agora não havia mais jeito, pensava Gloria, era esperar o pior... Os dois as olhavam com lascívia e a viagem prometia muitos dissabores.
As duas estavam ali com o coração apertado, fazendo preces em silêncio. De repente, o caminhão parou na saída da cidade e eles desceram para comprar algo numa pequena mercearia.
Gloria sentiu uma sensação forte, como se alguém dentro dela gritasse firmemente:
- Saiam agora! Essa é a oportunidade!
Gloria não titubeou, puxou a amiga, e as duas correram em direção à cidade.
Ouviram as vozes dos rapazes:
- O que aconteceu? Por que vocês vão voltar?
- Resolvemos ficar mais um pouco. Obrigada pela carona. –Disseram elas.
Andaram mais de uma hora até chegarem ao local de origem, mas estavam contentes, cientes de que haviam se livrado da maior enrascada, ou emboscada, de suas vidas.
Gloria passou a prestar mais atenção nesta sensação de aperto no peito, nesta “voz interior” que até então ela não conseguia identificar, mas que agora sabia tratar-se da uma proteção divina, uma forma que Deus usava para se comunicar com seus filhos.


 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Happy Birthday!



Queridos, o blog “olhar cor-de-rosa” faz dois anos de existência.
Nesse período, tentei mostrar nos meus textos outro olhar sobre a vida, que fosse mais humano, dócil e feliz.
Continuem acessando, podem deixar comentários ou enviar sugestões pra mim.
Beijos rosa para todos J!
Obrigada.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Inadequada

By Rute Sobrinho

Ninguém entendia como aquela moça de vinte e cinco anos ainda não havia aprendido códigos básicos para um convívio em sociedade. Não sei como é que alguém nasce com tamanho defeito de personalidade e se cria - dizia sua avó.
Em determinada época seus pais chegaram a propor um tratamento de “adequação social” para que ela não fosse tão inconveniente nos jantares e encontros. Imagine só a cara dos pais, desgostosos... Afinal, foram anos investidos em boas escolas, faculdades, aulas de etiqueta, pra nada. Mas depois desistiram, tinham medo de piorar a situação e perder seu tesouro mais precioso.
Ela não havia aprendido, por exemplo, a concordar com os outros só pra agradar. Como sempre foi muito educada, sabia respeitar, mas nunca se furtava em dizer qual o seu ponto de vista. Esperava que existisse consideração mútua e sentia-se ofendida com as palavras contundentes e afiadas de que era vítima.
As coisas ficavam ainda piores quando expressamente lhe pediam a opinião. Ela definitivamente não conseguia entender que as pessoas já possuíam uma avaliação clara sobre o assunto e só queriam uma aprovação. Mas ela, com esse problema seriíssimo, era desprovida dessa percepção. E logo começava a explanar sobre os prós e contras e sua visão sobre o assunto, alertando, ainda, dos perigos da tomada de algumas decisões.  Mas depois via a decepção estampada no rosto do ouvinte e ela não entendia por quê...
Não aprendeu a se fazer de coitada diante das negativas da vida ou quando seus planos eram frustrados. Ao invés disso, pensava em como traçar outra rota. Mas em sendo assim tão positiva com a vida, faltava-lhe o afeto comumente dispensado aos que sofrem. Ela não era digna de pena, todos a tinham por metida e insuportavelmente autossuficiente.
Já os pais viam-na com outras lentes, coloridas e suaves. Entendiam que ela era um vaso de cristal, podia-se ver tudo que estava dentro, mas também era frágil.
E o mais grave, não desistiu de acreditar no amor sincero, mesmo sabendo que ele era caro e raro para os seus parcos recursos. Via muitos gabarem-se de viver um grande amor, mas tudo não passava de conveniências e costume, e isso ela via claramente, não adiantava dissimular. Mesmo com os contratempos, ela não queria um bem querer assim não, queria-o de verdade e intenso. Tinha uma força e uma certeza contrastantes com sua delicadeza de alma. Iria até o fim, com a sua teimosia importuna.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Casaco vinho

By Rute Sobrinho :)


Fernando recebera da mãe muitas recomendações para não descuidar da irmãzinha Joana, a quem deveria encaminhar até a casa da avó para um passeio. O irmão, que a amava mais que tudo, recebeu o encargo com grande alegria, passeando com ela de mãos dadas pelas ruas, orgulhoso.

Ficaram toda a tarde na casa da avó. Comeram pipoca, cachorro quente e suco. A avó deu de presente para Joana um casaquinho de lã vinho. Ela amou o mimo. Fazia um calor enorme e ela não queria mais tirá-lo do corpo.

Na hora de irem embora, a avó mandou uns doces em um recipiente e colocou o casaco no braço do rapaz. Agradeceram a tarde maravilhosa e foram embora.

No caminho, Fernando lembrou-se que deveria pegar um livro com um amigo para terminar um exercício de matemática naquela noite. Ele prometeu a Joana que não demoraria, mas a mãe não poderia saber disso, já que as recomendações dela eram para que fossem e voltassem da casa da avó sem desviarem o caminho. 

Chegando lá conversaram e assistiram à televisão enquanto o colega procurava o livro. Como não é incomum entre os jovens, esqueceram-se da hora e saíram às pressas para que a mãe não brigasse.

Quando retornaram a casa já era noite. A mãe os esperava no portão com olhares nada amistosos. Depois de uma bronca bem merecida, a mãe lhes preparou uma sopa quente.

De repente Joana gritou! Todos olharam assustados. A menina começou a chorar. Que tragédia: havia perdido o casaco! Ela tinha gostado tanto dele que não acreditava como o perdera e só notara-lhe a falta naquele momento.

O irmão consternado sentiu-se culpado, afinal o desvio do caminho e a pressa com que foram embora devem ter contribuído para o incidente. Fernando, Joana e a mãe refizeram o caminho até a casa da avó, mas nenhum dos dois falou nada sobre não terem voltado direto para casa.

Olharam o chão cuidadosamente e não encontraram nada. O irmão estava muito triste porque sabia que a irmã tinha ficado muito feliz com o presente. Ela, por sua vez, engoliu o choro e o desgosto, e não mencionou nada para mãe sobre o ocorrido.

A partir daquela noite tinham um segredo. Tornaram-se mais amigos e cúmplices do que nunca. Tomaram a sopa na mesma cumbuca.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Educação Preferencial

By Rute Sobrinho J
 
É incrível a capacidade e o prazer que o ser humano tem em burlar as regras, fazer o proibido, lesar sem ser pego, levar a melhor.

Embora este texto possa ser polêmico, não posso deixar de expressar minha opinião que está inchada no meu estômago até agora.

Nos últimos dias vimos muitas manifestações populares lindas, diga-se de passagem. Mas em meio a tudo isso, ouvimos vozes que ponderaram a respeito de uma politização e educação mais amplas. O povo que não sabe os seus direitos e deveres e não os cumpre, não tem capacidade “moral” para exigir dos políticos eleitos uma atitude melhor do que a que teriam.

Estou divagando sobre o tema antes de contar um fato que presenciei esta semana e achei um absurdo. Confesso que me senti impotente e covarde, pois deveria ter feito alguma coisa e não fiz, apenas murmurei palavras indizíveis. De tão assustada que fiquei, pensei que pudesse ser aquele quadro do fantástico em que situações constrangedoras são apresentadas em lugares públicos, com atores contratados, para ver como as pessoas reagem. Confesso que procurei a câmara escondida e o repórter. Mas não havia, era real.

Tudo aconteceu no metrô. Naquele dia, excepcionalmente, não fui trabalhar de carro. Entrei e fiquei em pé, todos os assentos já estavam ocupados. Era por volta de nove horas da noite e o cansaço tomava de conta, cada qual encostava onde podia ou conseguia.

No meio do percurso, aproximadamente depois de cinco estações, entrou um jovem senhor dos seus quarenta anos, que segurava uma bengala e mancava de uma perna. Ele olhou em volta, procurou um lugar para sentar e não encontrou. Então se dirigiu a duas moças que estavam sentadas nos assentos preferenciais, cuja placa de aviso era enorme, e estas fingiram dormir. Ele não desistiu e cutucou uma delas algumas vezes até que ela olhou para ele:

- Gostaria de sentar neste assento preferencial. – ele disse.

As duas se entreolharam e, “caradepaumente”, disseram:

- Não existem somente estes assentos preferenciais, peça para outra pessoa sair, olha ali em frente! 

E o jovem foi mancando pedir para outra pessoa, que observando a situação retratada, levantou-se e cedeu o lugar antes de um pedido expresso.

Fiquei sinceramente atordoada com aquela situação. Além de estarem sentadas em assentos preferenciais, não se retiraram nem mesmo com o pedido expresso de um deficiente físico.

Desculpem-me, mas os políticos saem da nossa sociedade com os defeitos inerentes a ela, então queiram ou não eles são um reflexo nosso também. Mesmo nas manifestações justas, havia pessoas totalmente despreparadas para pedir algo, só faziam o que sabiam: badernar, atrapalhar, e mostrar quão distante ainda estamos de um país civilizado.

Claro que cada qual, inclusive os políticos, deve assumir sua culpa e ressarcir a sociedade. Não queremos aliviar o de ninguém, mas nós também escolhemos errado. Eles fazem com o mandato o que fariam em outro lugar, tentando fraudar, enganar, passar por cima dos outros, desrespeitar decisões. A diferença é que as oportunidades para eles são maiores, mas o fundamento é o mesmo do fato que lhes contei: falta de educação moral.

sábado, 8 de junho de 2013

Vida de pombo

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

Outro dia no percurso da minha caminhada vi vários pombos ciscando no local aonde mais tarde chegariam carros trazendo marmitas para os transeuntes ferente com aqueles animais, eles mal conseguiam andar, estavam muito gordos, pareciam que tinham aprendido a andar com os patos. 

Observei que o atual habitat deles era ao redor de barracas de comida, aonde o alimento vinha fácil e o dia inteiro, sem interrupção. 

A maioria deles não voava mais, eram quase do tamanho de uma galinha (com exagero e tudo).

Além de não deixar de pensar no monte de doenças que eles poderiam transmitir, pensei também como a natureza é sábia. Ela nos oferece exatamente aquilo que podemos digerir, seja física ou emocionalmente. 

Quando vezes nos deparamos com algumas perguntas ou lamentações que nos fazemos internamente? - Por que não consigo alcançar os meus objetivos rapidamente? Por que fulano, que é mais novo do que eu já conseguiu aquela promoção e eu ainda não? Se eu tivesse alguém para me dar um empurrãozinho... Queria ter um padrinho como cicrano e logo estaria ganhando mais...

Não creio que a vida seja tão desorganizada assim. Ela segue um fluxo, uma lógica. Os coitados dos pombos estavam daquele jeito porque o caminho natural deles seria gastar energia, procurar comida, voar um pouco, ver a natureza de outra forma. Essa nova perspectiva trouxe a eles prejuízos, engordaram muito, andavam devagar, não conseguiam se defender dos predadores. Mas para eles apenas o instinto de sobrevivência era importante.

Mas nós humanos estamos além dos instintos, já somos animais racionais, podemos fazer escolhas e escolhas inteligentes. 

Outro dia ouvi uma entrevista na televisão com um delegado que falava sobre crimes cometidos por estelionatários. A primeira dica que ele deu para se reconhecer um golpe foi: desconfie de tudo que vem fácil e sem esforço; provavelmente há algo errado e ilegal. 

Nada vem de graça e sem esforço. A vida não é uma bagunça, embora por instantes, ou mesmo anos, pareça ser.

Não faz parte da lógica conseguir atingir metas sem esforço, disciplina e perseverança. Quando alguém consegue algo assim, de mão beijada, na verdade está tendo um enorme prejuízo a longo prazo. Estamos com a comida na mão, mas não conseguimos nos defender corretamente, porque isso se aprende com o tempo; não fazemos escolhas inteligentes por falta de maturidade emocional; andamos devagar e em círculos; e, o pior de tudo, não conseguimos voar. 

Ainda sob outro ângulo podemos pensar que essa comida fácil obtida diariamente pode ser aquilo que seguimos sem questionar, é a mentalidade fast food. Todo mundo acredita, então deve ser verdade, se todo mundo fala mal também falamos, se fala bem seguimos novamente. Quem discorda é visto, muitas vezes, com maus olhos. Não questionamos. Seguimos. Parece mais fácil. Mas infelizmente com essa atitude deixamos de gastar muita energia, de nos tornarmos mais leves, de criarmos nosso próprio caminho, de voarmos muito alto... 

domingo, 19 de maio de 2013

A mochila de Alice

         Alice tinha por volta de doze anos quando começou sentir certos sintomas: cansaço, dor de cabeça, tristezas infundadas e alegrias inexplicáveis. Só que tudo isso ao mesmo tempo.


Curiosa toda vida, sempre perguntava o porquê de tudo. As pessoas respondiam quando tinham paciência. Outras vezes diziam que era assim e pronto.

Quando a vida religiosa entrou em sua vida de uma forma mais contundente os seus problemas começaram de verdade, porque as respostas para os seus questionamentos não eram satisfatórias. Quando muito, diziam que as coisas aconteciam daquela forma porque Deus queria assim. Ela não se convencia das explicações e ficava mal perante os outros e triste com ela, parecia que não tinha fé, o que não era verdade.

Na idade adulta ficou muito doente e ninguém conseguia tratá-la. Foi então que disseram que havia um médico das coisas invisíveis, uma especialidade rara que estava desaparecendo no mundo, porque as pessoas só criam no poder dos remédios. Esse velhinho ainda atendia, raramente, os casos excepcionais enviados a ele.

Ao entrar no consultório, o médico assustou-se ao vê-la entrar na sala com uma mochila cem vezes maior do que ela e pensou: 

- Como essa menina franzina consegue carregar um peso desses? 

Imediatamente fez sinal para que uma enfermeira viesse ao encontro de Alice para levar a mochila por uns instantes. Ela sentiu um alívio, estava bem melhor. Sem a pesada bagagem a consulta poderia transcorrer normalmente. 

Foi aí que ela obteve o maior conhecimento que poderia alcançar. A explicação do médico mudou sua vida para sempre. Ele disse que todas as pessoas nascem com a mochila das dúvidas e insatisfações. Alguns não notam a diferença, porque não questionam nada no mundo, nada faz diferença para eles. Outros preferem saber apenas o necessário, ficando na superficialidade. Mas Alice era uma das pessoas que queriam entender tudo, e como não obtinha respostas satisfatórias, jogava as dúvidas na mochila e ela ia pesando cada vez mais. 

Por conta disso, vários problemas poderiam aparecer como dor de cabeça crônica, dor na coluna, dor nas articulações, insuficiência respiratória e tristeza sem fim. 

Então a menina perguntou ao médico: 

- Como posso resolver meu problema? 

Ele olhou para ela profundamente e disse: 

- Depende do que você quer para sua vida. Se preferir ir contra sua natureza e personalidade, tente esquecer os questionamentos e viver uma vida com o mínimo de saber e aos poucos a mochila irá se esvaziar das dúvidas. O conhecimento, explicou ele, não pesa nunca, não faz volume, quanto mais, melhor. As dúvidas, ao contrário, são difíceis de levar e trazem doenças para o corpo e a alma. 

Alice olhou para o médico e pediu ajuda seriamente. Queria continuar com sua mochila de dúvidas, mas também queria um jeito de fazer isso ser menos sofrido. Afinal, certo peso na mochila dava a ela equilíbrio necessário para passar por caminhos estreitos, pontes perigosas e outros lugares que ela sonhava percorrer um dia. 

O médico receitou, por fim: 

- Uma dúvida por vez, uma dose equilibrada de questionamentos por dia. Saiba que isso nunca terá fim, porque o que se busca não é apenas o conhecimento, mas o exercício mental em si mesmo. Mas não se esqueça de adicionar coisas leves ao seu dia, coisas banais, descompromissadas, engraçadas, alegres. A mistura de tudo isso é que será o seu bem viver!

De posse dessas preciosas informações, Alice saiu com sua imensa mochila, que agora parecia um pouco mais leve, a trilhar pelos caminhos da vida. 

:) Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

domingo, 12 de maio de 2013

Sonhos

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho


Quando eu era criança sabia voar. Era um vôo sem asas, sem vento para atrapalhar. Era um movimento gostoso, tão sutil que não havia frio na barriga. Eu sobrevoava uns bosques, porque não chegava a ser uma floresta, e via tudo lá de cima.

Quando acordava contava que passei a noite voando igual aos pássaros, mas melhor ainda que eles, porque eu voava sem ter asas. Fui crescendo e vendo que as pessoas não podiam voar, só os pássaros e, além do mais, eu não tinha asas...

Quando comecei a questionar os meus sonhos, que deveriam ser inquestionáveis, passei a voar mais baixo, a poucos metros do chão. E o pouso era desagradável, como se eu estivesse fazendo algo errado que não era pra mim, mas que deu certo aquela vez. Eu estava cada vez mais grudada no chão.

O tempo foi passando e os meus sonhos mudaram, passei a levantar pouco do chão, sentia medo e logo voltava a colocar os pezinhos na terra. Aquela sensação boa quase não existia mais, porque eu tinha medo de cair e estava conhecendo a realidade do mundo.

Anos mais tarde continuei a sonhar com meus vôos, mas eu sempre caía num buraco sem fim, acordava com o coração batendo muito forte, quase saindo pela boca. Se eu soubesse voar ou acreditasse que podia voar certamente esses sonhos não me incomodariam. 

Achamos que somos livres na maioridade ou quando temos independência econômica. Na verdade nascemos livres e somos aprisionados aos poucos quase sem perceber.

Começamos a vida sem preconceitos, com todas as possibilidades pela frente. Mas aí crescemos e acreditamos no que os adultos dizem. Coitados, eles apenas propagam a decepção que também tiveram um dia...

Vamos assimilando esses conhecimentos, nossos sonhos vão diminuindo, nossos vôos ficando mais rasos, até o dia que em andamos apenas com nossos pés. 

Mas sonho é sempre sonho, tudo é possível. Podemos ter duas cabeças, voar com três asas, ter rodas nos pés e andar igual carro, ter qualquer profissão, fazer tudo o que quisermos. 

A nossa verdadeira maioridade é inadmitir que alguém zombe dos nossos sonhos, que nos convençam que algo não é possível, que nos tirem o gostinho de vôos altos e maravilhosos. 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

De médico e louco...

Texto de Rute Rodrigues Sobrinho

Já ouviram falar no ditado “de médico e louco todo mundo tempo um pouco”? Pois é, outro dia estava organizando minhas coisas e alguém me falou com ares psiquiátricos: - Nossa você tem T.O.C! Nem me expliquei, apenas sorri por dentro. 

Na verdade a saúde e a doença, a sanidade e a loucura estão ligadas por liames muito tênues. Todos nós temos colesterol, glicose, mas os exageros alimentares nos fazem elevar essas taxas e provocar doenças como infartos e diabetes. Isso quando falamos de saúde física. Imagine o cuidado que não devemos ter com relação à nossa saúde moral e espiritual. 

Todas as nossas ações, quando feitas comedidamente são benéficas e saudáveis, tudo que passa pelo exagero traz doença e/ou loucura. 

O amor em excesso traz sentimento de posse, de obsessão, pode levar a crimes passionais. Na medida certa, é a mola propulsora do mundo, o sentimento que une povos, que desfaz intrigas, que perdoa. 

A prudência nos faz estudar a circunstância e tirar o melhor proveito na hora adequada. No entanto, a prudência em excesso é uma das vestimentas da covardia, é uma omissão dos nossos próprios desejos. 

A temperança nos proporciona o equilíbrio no uso dos bens e no relacionamento com os outros. O excesso é gula, luxúria, avareza, sentimento de posse. 

A generosidade é uma virtude linda, mas quando anda junto com o amor próprio e o bom senso. Fora disso, a pessoa pode ser apenas um gastador, um pródigo que não calcula o quanto gasta, que não sabe seu próprio valor. 

Até mesmo os sentimentos tidos como feios e baixos tem o porquê da existência e nos são muito úteis quando usados com moderação. Já ouviram falar que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose? 

O orgulho próprio nos faz perceber quando não somos queridos, nos obriga a bater em retirada em certos casos, nos ajuda a estudar quem realmente somos e não quem achamos que somos. O orgulho exagerado, por sua vez, embota-nos a vista, deixa-nos sem a prudência necessária para decidir. 

Assim são as funções físicas do nosso corpo e os sentimentos e virtudes que conhecemos. A mesa está posta, podemos pegar o que quisermos e em qualquer quantidade. Não podemos nos esquecer, no entanto, que obedecendo a vida o princípio da ação e reação, as conseqüências das nossas escolhas sempre vêm. 

Acho que só devemos exagerar mesmo ao tentarmos ser muito felizes.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

A Thousand Years - Christina Perri

Eu morri todos os dias esperando você
Amor, não tenha medo
Eu te amei por mil anos
Eu te amarei por mais mil